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Opinião: “E Deus criou o mundo”, e depois?

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O diálogo, entendido de uma forma geral, é uma coisa muito bonita, e difícil. O diálogo interreligioso, esse então, além de fundamental, será ainda mais difícil. É uma questão de postura pessoal e, quando é o caso, institucional, que implica conhecermo-nos bem a nós mesmos e à nossa confissão religiosa e, muito importante, estarmos abertos à novidade do outro.

Louvo, por isso, o programa “E Deus criou o Mundo”, em antena na RTP-Antena 1, que junta no mesmo estúdio membros das três principais confissões religiosas monoteístas em Portugal: judeus, católicos e muçulmanos.

A autoria e produção do programa cabem ao argentino há muitos anos residente em Portugal Carlos Quevedo. O programa é moderado por Henrique Mota, crente católico. Abordam as temáticas da atualidade e da religião Isaac Assor, judeu; Pedro Gil, católico; e Khalid Jamal, muçulmano; todos portugueses.

A formulação do título do programa “E Deus criou o Mundo” é excelente, porque mostra um elemento comum, que une, as três confissões. A partir daqui, desse elemento comum, cada qual explica, responde, pergunta, dialoga, sem proselitismo, aos temas que o moderador lança à mesa.

Recentemente, o programa celebrou os três anos em antena com uma viagem de todos os intervenientes a Roma, a cidade eterna, ligada à história das três religiões.

Tive oportunidade de acompanhar alguns momentos da comemoração, nomeadamente a receção pelo Embaixador de Portugal na Santa Sé, a apresentação do programa aos participantes no seminário de formação para comunicadores, realizado na Pontifícia Universidade da Santa Cruz; e a entrega ao Papa Francisco, em audiência geral, do livro sobre o programa, da autoria de Carlos Quevedo.

Tal como em antena, durante a apresentação do programa na universidade pontifícia, o ambiente foi apaziguador, mas sem condescendências. Não houve exaltações, nem lamúrias, entre os intervenientes, o que impressiona. Não, não se procuraram consensos, ninguém teve de abdicar em nada daquilo em que acredita; o respeito é a pedra de toque. Aprende-se, mutuamente.

Pedro Gil deixou, em onze alíneas, aquilo que a seu ver será o segredo do sucesso do programa. Enquanto Pedro Gil falava, Isaac Assor e Khalid Jamal acenavam que sim, que nisso sim, estavam de acordo.

Permito-me destacar o primeiro e o décimo primeiro ingredientes da lista apresentada pelo Pedro Gil; num convite à adaptação – já agora e se possível – a outras realidades da nossa vida.

Pedro Gil apresentou o primeiro ingrediente desta forma: “O nosso diálogo é entre crentes, ou seja: não só aceitamos que Deus existe e atua na história, como cada um de nós procura abrir-se à relação pessoal com Deus”.

O décimo primeiro ingrediente, em jeito de súmula dos anteriores, reiterou as palavras proferidas em setembro passado pelo bispo católico Robert Barron numa conferência na sede do Facebook, precisamente uma rede social que se incendeia facilmente por causa da religião:  “Se não soubermos dialogar sobre religião, então acabaremos por guerrear por causa da religião”.

Deixo aqui a minha humilde sugestão, ao jeito do que fazem Isaac Assor, Pedro Gil e Khalid Jamal no final de cada programa, com uma proposta ou recomendação a quem os ouve: talvez a RTP pudesse fazer o programa saltar da antena da Antena 1 para um dos canais da televisão pública, já agora, em horário merecedor. Grande serviço público seria este, verdadeiramente sinal de abertura, diálogo, formação e informação, reflexo da realidade espiritual experienciada por uma grande maioria de portugueses.

Outros programas televisivos na estação pública dão espaço às diversas confissões religiosas mais expresivas em Portugal, mas é cada uma por si, à vez, a estar em antena. Neste caso, estariam juntas, lado a lado.

LeopolDina Reis Simões

Fátima, 24.04.2018

PS. Para quem não conhece, deixo aqui um dos programas: https://www.rtp.pt/play/p1812/e336138/e-deus-criou-o-mundo

Foto: RTP

 
 
In http://almanaqueleopoldina.simplesite.com/
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