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A Entrevista (de)Vida Teresa Souto Moura

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TERESA SOUTO MOURA
 
A Entrevista (de)Vida* deste mês de março foi curiosa, nos vários sentidos do termo.

Estamos no mês do Dia de São José / Dia do Pai, mas resolvemos entrevistar uma mãe; se bem que março também é o mês do Dia da Mulher.

Outro aspecto feliz e curioso, porque ainda não nos tinha acontecido: quando começámos a nossa conversa, a nossa entrevistada era mãe de duas crianças, mas, quando acabámos, já havia mais um membro na família. Deste modo, porque o sentido da palavra curioso também está ligado à bisbilhotice, a pergunta "É menino ou é menina?", que esteve na lista de perguntas, acabou por ser excluída, já que ficámos, literalmente, com a menina nos braços.  

A nossa entrevistada deste mês é a médica Teresa Souto Moura, associada da AMCP desde 2017 e atual membro da Direção Nacional. Aos 34 anos de idade, celebrados a 22 deste mês de março, nasceu e sempre viveu em Lisboa. Terminou o curso de Medicina em 2009 e escolheu a especialidade de Medicina Interna no Hospital de São José, onde exerce até hoje.

É casada com o Bernardo desde 2010 e têm três filhos: a Francisca com 4 anos, o Tomás com 3 e a Margarida com uma semana de vida. Cresceu numa família católica e a juventude foi marcada por actividades ligadas à Companhia de Jesus como campos de férias, animação do centro universitário, uma missão em África, entre outras. Atualmente integra a Comunidade de Vida Cristã (CVX), tem-se dedicado à pastoral da família, especificamente a cursos para namorados.

Post Scriptum: As fotografias desta entrevista são das mais queridas que até hoje publicámos! A bebé Margarida nasceu no dia da mãe dela, 22 de março!


*A Entrevista (de)Vida é uma iniciativa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses que pretende dar a conhecer, em tom de conversa, os profissionais e a profissão médica e ajudar a identificar e a refletir problemas, potencialidades e desafios da Medicina em Portugal. Esta rubrica é parte integrante da newsletter mensal enviada aos associados da AMCP.
 
 
"Ser mãe faz de mim uma pessoa melhor e mais realizada
e isso reflete-se também no trabalho.
"
Teresa Souto Moura
 
O Dia da Mulher foi celebrado este mês. Enquanto mulher e jovem sente-se prejudicada ou favorecida no exercício da sua profissão?

Não sei se disponho de todas as variáveis para dizer se a nossa geração de médicos é prejudicada ou favorecida, mas certamente que é diferente a forma como se encara hoje a profissão médica, sujeita a desafios muito distintos dos das gerações passadas. Diria que qualquer jovem médico, homem ou mulher, vive hoje uma relação diferente com o Serviço Nacional de Saúde (SNS) pelo simples facto de já não ser óbvia a sua contratação ao final do período de formação (internato). Antigamente era praticamente imediato ficar-se no mesmo serviço onde se foi interno…hoje já não é assim, dando lugar a mais incerteza e instabilidade.

Na minha realidade – e um pouco por todo o SNS – esta diminuição de contratações ao longo dos últimos anos, conduziu inevitavelmente ao chamado gap geracional. Nota-se muito a falta da geração dos “30 e muitos, 40’s”, o que dificulta a passagem natural e gradual da experiência e das competências entre gerações. Por outro lado também gera oportunidades aos mais novos de procurarem outras formas de exercer e de assumirem papéis e responsabilidades, que de outra forma não seria possível.

Ao ser mãe, algo mudou?

Quanto ao facto de ser mulher, não sentia nenhuma diferença em termos profissionais, até ser mãe. Aí sim as coisas mudam um bocadinho. E não tem nada a ver com a forma como sou tratada. Embora saiba que infelizmente não é a realidade de todas as mães médicas, tenho a sorte de trabalhar num ambiente onde a maternidade é encarada com naturalidade e até com alegria por parte dos colegas. Nunca senti qualquer tipo de rancor ou desconforto dos que ficam a trabalhar enquanto estou de licença, que têm de ver mais doentes na consulta ou fazer as minhas urgências, etc.

Se me comparar com as minhas colegas que não são mães de família, é evidente que é diferente. O meu tempo é outro, a minha disponibilidade mental é outra, o tempo (a menos) que dediquei ao internato reflecte-se em diferenças curriculares…mas tudo isso resulta de uma escolha! E qualquer escolha implica deixar de lado as outras opções. Por isso há muito que me deixei de comparações. Ser mãe faz de mim uma pessoa melhor e mais realizada e isso reflecte-se também no trabalho. Além de que são fases…pessoalmente, descansa-me pensar que “para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu”.

Como está a ser vivida a espera do seu terceiro filho?

A espera da Margarida é vivida com grande alegria, claro! Já não terá aquela dimensão de “novidade” do primeiro filho, mas também beneficia de uma maior tranquilidade dos pais mais experientes.

A maior diferença face às outras gravidezes, é que não somos apenas nós pais que estamos à espera, mas sim toda a família! Tem sido uma ternura ver como os irmãos, com 4 e meio e 3 anos, também estão ansiosamente à espera. Surgem as típicas perguntas: “Como onde é que a Margarida vai sair da barriga da mãe? Como é que ela foi parar aí dentro? Mãe, quando nascer, ela vai vir sem roupa ou vestida?”. É uma fase muito engraçada.

 
 

Como se vive a conciliação das áreas família-trabalho na profissão médica? 

Este tema da conciliação família-trabalho depende muitíssimo do contexto profissional de cada médico: da especialidade que escolheu, do local onde trabalha, dos horários (nocturnos ou não) que tem; bem como das características da família, do apoio que tem dos pais, irmãos, vizinhos, etc.

Nesse campo, não posso deixar de admitir que sou muito privilegiada: tenho um marido que me substitui na perfeição quando não estou e uma rede de família próxima que dá imensa ajuda. Isso tem-me permitido exercer uma especialidade com uma carga de trabalho importante e várias urgências por mês, incluindo nocturnas. No entanto tenho várias colegas que, não tendo tanto apoio familiar, encontraram os seus equilíbrios família-trabalho de outras formas: pediram reduções de horário, dispensa de trabalho nocturno ou outras formas legais de protecção da maternidade que já existem. Bem sei que em muitos hospitais e centros de saúde estas não são bem vistas pelas chefias, pelos pares e muitas vezes não são aceites, pelo que o caminho a percorrer ainda é longo…mas vejo à minha volta que uma parte importante está do nosso lado - as nossas próprias escolhas profissionais podem ser mais ou menos pró-família.

 
 

Trabalha num hospital, consegue-se facilmente dar testemunho de Cristo num hospital? 

“Facilmente” parece-me uma palavra ambiciosa, quando se trata do testemunho de Cristo. É claro que há um lado “facilitado” – é um mundo de pessoas vulneráveis, normalmente em sofrimento, a quem o nosso papel é precisamente fazer bem, aliviar, curar – o paralelismo com episódios da vida de Jesus em que curou doentes é muito óbvio e sem dúvida inspirador.

Na prática, porém, o dia-a-dia de um profissional de saúde não é apenas a relação com o doente. Além deste elemento central há muitos outros aspectos que pairam e nos ocupam - falo da “máquina administrativa”, da gestão de recursos materiais e humanos, das burocracias, das pressões com os tempos, com os custos, com as exigências curriculares - uma série de factores que muitas vezes distraem do essencial. É evidente que muitos deles fazem parte da estrutura onde trabalhamos e da sociedade em que vivemos, mas onde a resposta à pergunta “o que é que Jesus faria no meu lugar?” deixa de ser tão óbvia.

Há ambientes mais ou menos hostis ao discurso de defesa da nossa Fé e da nossa Igreja, tão importante (e cada vez mais raro!) nos dias que correm. Mas dar testemunho de Jesus através de atitudes, isso está sempre ao nosso alcance. Acredito que um médico que exerça a sua actividade com competência, verdade, compaixão e esperança, será certamente um bom espelho do Cristo-médico.

Pertence à atual direção da AMCP. Quais os desafios pelos quais sente que a Associação está a passar? 

Estou na AMCP há muito pouco tempo para responder com total legitimidade a esta pergunta! Mas do que me tenho apercebido nestes dois anos, parece-me que a associação se depara com o desafio de equilibrar duas importantes missões: uma dimensão mais voltada para a classe médica, quer já associados quer potenciais sócios e estudantes, de divulgação da própria associação, promoção de encontros, troca de experiências, momentos formativos e tudo o que ajude os médicos católicos a serem melhores médicos à luz dos critérios de Cristo; e uma outra dimensão de intervenção na sociedade, através de tomadas de posição em relação grandes temas como têm sido a eutanásia, a lei da mudança de género, a conciliação trabalho-família, há uns anos a lei do aborto, e vários outros não tão "fraturantes", mas que carecem igualmente de uma prespetiva Cristã.

A organização do Curso de Formação em Ética Médica está-lhe de modo especial confiada. Como poderá esta ação valorizar os profissionais da Medicina, ou mesmo outros profissionais da área da Saúde, uma vez que o Curso está a atrair a adesão de muitas pessoas?

No seguimento da versão “formativa” da associação, de que falei anteriormente, e considerando o trabalho de alguns membros da direcção na coordenação do livro “Reflexões sobre Ética Médica”, foi decidido organizar este curso aberto a todos os médicos, estudantes e outros profissionais de Saúde. A área da ética na medicina, apesar da sua extrema importância, nem sempre é valorizada como devia ao longo da formação ou da vida activa dos
médicos, que se deparam diariamente com questões e dilemas que vão muito além do que se aprende nos livros ou na PubMed. São problemáticas normalmente complexas, que requerem uma reflexão prévia e muito beneficiam quer do testemunho de peritos, quer da troca de experiências entre pares. Esta foi uma preocupação verbalizada várias vezes no Encontro Nacional da AMCP em Abril de 2018, tendo sido lançado o desafio à associação, de procurar a melhor forma de a colmatar. Acredito que este momento exclusivo de formação e discussão dos temas éticos que mais assolam o dia-a-dia dos médicos, a par do lançamento do livro que já mencionei, possa ser uma ajuda.
 
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A Entrevista (de)Vida Teresa Souto Moura